Este artigo foi criado como uma resposta para o texto fantástico do Rodrigo Almeida sobre o dia que o Brasil quase parou.
Ele tem como objetivo informar os leitores sobre as origens do Movimento Sem-Terra, passando pela formação econômica e social do Brasil, pelas formas que o movimento utiliza para reivindicar seus direitos e tentando mostrar as causas de suas atitudes, tudo isso tentando não ser chato e nem partidário.
Origens históricas do problema da reforma agrária
A importância do assunto reside no fato de ser a reforma agrária o objetivo central do MST. Após o declínio do regime escravista, com a proibição de tráfico de escravos pela Lei Eusébio de Queiróz, em 1850, a força de trabalho escrava já não era quem impulsionava o trabalho na grande lavoura. Já existia uma considerável massa de trabalhadores assalariados no Brasil (algo em torno de 16%).
No entanto, curiosamente, o funcionamento da economia brasileira em plena República Velha, não era capaz de pagar salários no fim do mês pra todo mundo que ralava no campo. Mas será que o assalariamento não funcionava pra ninguém? Tirando boa parte dos imigrantes e uma pequena parcela de gente que plantava para sobreviver, não. E o quê que essa galera que não conseguiu receber salário resolve criar plantação de subsistência, com a seguinte sistemática: eles produziam alimentos para o dono do latifúndio e em troca o latifundiário os deixava morar ali, na beiradinha da plantação de café, caracterizando uma relação de subserviência. Esse quadro se manteve por mais de um século.
Também em 1850, surge a Lei nº 601 (Lei de Terras), que, nas palavras de Raimundo Faoro, inovara o direito agrário com o reconhecimento da posse.
“(…) daí por diante, em lugar dos favores do poder público, a terra se adquire por herança, pela doação, pela compra e sobretudo pela ocupação – a posse, transmissível por sucessão e alienável pela compra e venda”(Faoro, 2000, p. 408).
Mas o quê que essa lei dizia que quem havia sido contemplado com as sesmarias no passado agora era o dono incontestável das terras e fim de papo. Isso acabou com a possibilidade daqueles que produziam em regime de subsistência se tornarem donos das terras e também dos ex-escravos de criarem quilombos legais ou estabelecimentos familiares legalizados. Outros autores ainda admitem que a Lei de Terras também legalizou a grilagem no Brasil.
O pesquisador Guilherme Delgado também afirma que
“a abolição trouxe os ex-escravos para o setor de subsistência, reforçando as relações de dependência social que vinculavam os trabalhadores livres à grande propriedade territorial”.
Ou seja, o ex-escravo foi parar no setor de subsistência junto com os demais, fora os que foram se marginalizar nos centros urbanos.
Então veio o Estatuto da Terra. Este Estatuto foi criado pela Lei nº 4.504, de 30/11/1964, sendo portanto uma obra do regime militar. Sua criação esteve intimamente ligada ao clima de insatisfação reinante no meio rural brasileiro e ao temor de uma revolução camponesa, pois os movimentos camponeses começaram a se organizar por volta de 1950, com o surgimento de organizações e ligas camponesas, de sindicatos rurais e com atuação da Igreja Católica e do Partido Comunista Brasileiro.
No entanto, esse movimento foi praticamente aniquilado pelo regime militar instalado em 1964. A criação do Estatuto da Terra e a promessa de uma reforma agrária foi a estratégia utilizada pelos governantes para apaziguar os camponeses e tranqüilizar os grandes proprietários de terra.
Início do Movimento dos Sem-Terra – MST
Após uma Lei de Terras que positivou sérias restrições à chamada “agricultura familiar” e uma lei de abolição da escravatura que não tratou de inserir o negro na sociedade e na economia, começou a se desenhar um quadro de desigualdade para os trabalhadores do campo e urbanos não inseridos na economia.
Um quadro de exclusão e violência, onde os grandes proprietários estavam respaldados pela Lei das Terras. O Estatuto da Terra, apesar de um de seus pilares se basear na regulação da reforma agrária, foi aplicado apenas para o desenvolvimento da agricultura. Além disso, os movimentos do campo já começavam a se organizar. Décadas depois surge o MST.
Então, conforme explica o próprio site do MST:
“Há 25 anos atrás, em Cascavel (PR), centenas de trabalhadores rurais decidiram fundar um movimento social camponês, autônomo, que lutasse pela terra, pela Reforma Agrária e pelas transformações sociais necessárias para o nosso país. Eram posseiros, atingidos por barragens, migrantes, meeiros, parceiros, pequenos agricultores… Trabalhadores rurais sem terras, que estavam desprovidos do seu direito de produzir alimentos. Expulsos por um projeto autoritário para o campo brasileiro, capitaneado pela ditadura militar, que então cerceava direitos e liberdades de toda a sociedade.”
A reforma agrária no Brasil em números
Bom, agora chegou a hora da gente ver como estão os dados sobre reforma agrária no país, pois os números dão uma boa indicação da situação.
gráfico com divisão regional e número de famílias | Link
De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, o Brasil possui uma área total de 850 milhões de hectares, sendo que 418 milhões estão cadastrados no Órgão. A distribuição dos imóveis rurais cadastrados, por tamanho de área (dados de 2003), revela que aqueles com até cem hectares representam 86,3% do número de imóveis e 19,7% da área.
No outro extremo, os imóveis acima de mil hectares representam 1,6% do número e 46,8% da área. E mais: recente apuração especial realizada pelo cadastro do INCRA, em novembro de 2003, revelava a existência de 58.329 grandes propriedades classificadas como improdutivas que ocupam 133,8 milhões de hectares. (INCRA, A Atualidade do Estatuto da Terra, 2009)
O índice de Gini é um coeficiente expresso entre 0 e 1 que visa medir distribuição, desenvolvido pelo estatístico italiano Corrado Gini. O índice de Gini da terra, no Brasil, variou de 0,731 em 1960, a 0,858 em 1970 e 0,867 em 1975. O último censo agropecuário do IBGE, realizado em 2006, apontou um índice de 0,872 para a estrutura agrária do Brasil, maior ainda que os índices levantados nos anos de 1985 (0,857) e 1995 (0,856). Um índice de Gini igual a 1 significa que uma pessoa só detém todas as terras do Brasil. Será que a gente chega lá?
Falando agora de MST, em termos de conquistas dos movimentos sócio-territoriais, verificamos que entre 1988 a 2006, foram assentadas quase um milhão de famílias, em um espaço de 65 milhões de hectares. Ainda, segundo dados da Organização da Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – FAO, a renda média nos assentamento é de 3,7 salários mínimos, e onde há agroindústrias essa média é de 5,6 salários.
Mas aí você pergunta: “Ora bolas, se foram assentadas tantas famílias, porque o índice de Gini não caiu?
O governo fez basicamente o que os especialistas chamam de “assentamentos não reformadores”, que significa assentar famílias em terras públicas, unidades de conservação sustentáveis e outros projetos de caráter ambiental. Ou seja, são assentamentos que não envolvem desapropriação de terras. Em consequência, não há desconcentração de terra e o índice continua na estratosfera. A verdade é que é politicamente difícil de mexer nas terras dos grandes latifundiários.
Mas porque que o MST invade terras ao invés de utilizar outros instrumentos legais?
O MST e os que defendem a reforma agrária como forma de solução para os problemas no campo acreditam que a ocupação é a principal estratégia de luta pela terra. Os dados mostram que no país, entre 2000 e 2006, foram registradas ocupações de terra realizadas por 86 diferentes movimentos de sem-terras. As áreas ocupadas são principalmente latifúndios, terras devolutas e imóveis rurais onde leis ambientais e trabalhistas tenham sido desrespeitadas.
De modo geral (comentarei mais à frente as exceções), as propriedades ocupadas são aquelas que apresentam indicativos de descumprimento da função social da terra, definida no artigo 186 da Constituição Federal de 1988. Como o Governo não apresenta iniciativa para cumprir a determinação constitucional, os movimentos sem-terra resolveram agir para garantir seus direitos democraticamente previstos. (INCRA, Atlas da Questão Agrária Brasileira)
E a manchete é: MST invade, destrói e mata.
Mas eu li na Veja que os Sem-Terras invadem fazendas, destroem a plantação e maquinário e ainda quebram tudo!
Sim, isso de fato acontece. E o destaque que é dado pela mídia a esses eventos enfraquece e deslegitima o movimento, pois desvia o foco do debate das causas da reforma agrária e simplesmente rotula no MST a imagem de “arruaça” e “vandalismo” e que se trata de um movimento violento. Basta olhar as capas da Veja sobre o assunto aqui (na parte debaixo da página) e é possível ver o “destaque” que ela prefere dar.
Segundo o pesquisador Eduardo Paulon Girardi, a criminalização da luta pela terra é um exemplo de violência indireta contra os camponeses, e que pode gerar formas de violência direta no seu cumprimento. Essas ações contribuem para impedir o acesso à terra por meio da reforma agrária.
E falando de violência no campo, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) documenta as ocorrências de violência no campo desde 1980. De lá pra cá, nos mais de 1.500 conflitos com violência no campo, quase oitocentos mil camponeses e trabalhadores rurais sofreram algum tipo de violência. Dentre esses brasileiros, 39 foram assassinados, 72 foram vítimas de tentativa de assassinato, 57 mortos em conseqüência do conflito, 207 ameaçados de morte, 30 torturados, 917 presos e 749 foram agredidos e/ou feridos.
Como se não bastasse, em 2006 foram registrados casos com mais de sete mil vítimas de superexploração do trabalho e 900 vítimas de desrespeito trabalhista. Tem também trabalho escravo pra quem não se satisfez.
Por fim, não consigo ver o mesmo entusiasmo da Veja, Rede Globo e da Folha de São Paulo na divulgação de notícias.
Se não deu no Jornal Nacional, não aconteceu.
Na Veja também falou que muitos sem-terra conseguem um assentamento e depois vendem as terras e voltam a invadir propriedades.
Sim, também não duvido que isso aconteça. O INCRA dá aos sem-terra um título chamado títulos de domínio ou de concessão de uso, quando os beneficiários cumprem as exigências da Lei.8.629/93. Aqui é possível encontram o cadastro de todos os assentados pela referida Lei.
Primeiramente, o INCRA confere esse cadastro todo o ano, fazendo batimento dos dados em sua base com os dados declarados pelos beneficiários na Receita Federal. Segundo, caso alguém conheça algum caso desses, tem a grande oportunidade de excercer seu papel de cidadão e denunciar os abusos cometidos pelos beneficiários à Ouvidoria do INCRA. O INCRA, o próprio MST e o Brasil agradecem.
Conclusão
Agora é a hora de dar minha opinião. Trata-se de um movimento legítimo, inclusive quando invade terras. Quanto existe vandalismo e depredação, há que se punir os envolvidos, assim como em qualquer outro contexto. Mas os desvios de conduta de alguns membros não são suficientes para desvirtuar o Movimento, como querem fazer crer certos meios de comunicação.
A reforma agrária, com assentamento de famílias para produção de agricultura de subsistência realmente é uma alternativa para o combate à fome e para um país menos desigual.
E vocês caros leitores, pensam diferente?
Esse artigo ajudou vocês a fazerem uma reflexão crítica do papel do MST no Brasil?
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