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10/12/2010

Churrasco e seus tipos de assadores (com prêmio)

Um churrasco se assemelha a uma sala de aula, onde alunos ávidos por matar a fome do conhecimento, se prostram ante o professor que orienta, organiza, fornece os elementos necessários para saciar a sede do saber.

E assim como conhecemos vários tipos de professores: o bonzinho, o ralador, o sedutor, o esquecido, o relaxado… encontramos várias categorias de assadores pilotando churrasqueiras e queimando uma carninha esperta.

Foguista

Na outra encarnação trabalhou alimentando a fornalha de alguma Maria Fumaça. Entope com um monte de lenha e carvão a churrasqueira. Toca fogo com gasolina ou diesel e fica olhando, esfregando as mãos, com aquele olhar demoníaco, repetindo: “Tem que ter fogo, muito fogo!”

Antes das brasas surgirem, atira a carne por cima das labaredas para sapecar bem, usa cortes maiores e com bastante gordura. Picanha, costela, contrafilé, lombo e outras, pois sabe que linguicinha e franguinho vão esturricar.

Pra beber: Uísque puro ou cachaça para manter o fogo aceso só no bafo.
Pra ouvir:
Tudo isso ouvindo Light My Fire com The Doors.

Preguiçoso

Esse por sua vez começa o assado atrasado, gosta de uma churrasqueira giratória, espetando as carnes de qualquer jeito, sem nenhum esmero ou capricho, nem tabua tem, usa aquelas de plástico da cozinha. Faca afiada, nem pensar, e ainda pergunta segurando uma de serrinha: “Serve essa?”

De vez em quando dá uma olhada, mexe nos espetos e cutuca o fogo, sempre sem pressa. Se tiver uma TV por perto é perigoso, capaz de esquecer do assado.

Pra beber: Cerveja morna e não tá nem ai.
Pra ouvir:
Ouve AM, num rádio de pilha mal sintonizado.

Minimalista

Para ele tudo é restrito, de pouca envergadura. O fogo é num cantinho longínquo da churrasqueira, as carnes são nacos iguais e parelhos, não importando o corte.

Espetinhos de bambu, com pedacinhos de vegetais estranhos e de colorido exótico. O gosto é exatamente nenhum.

Pra beber: Água de coco em copo de Martini com um twist de limão.
Pra ouvir:
Ao fundo, som Philip Glass no mp3 do lap top.

Cronometro

Quem não conhece o assador com horário para iniciar e terminar, que assa, corta, serve todas as carnes ao mesmo tempo, tipo almoço, direto nos pratos e não tem conversa de bem passado, casquinha com sangue, com gordurinha.

Churrasco típico domingueiro é assim como uma obrigação auto imposta.

Pra beber: Campari com soda ou guaraná zero.
Pra ouvir:
Assiste comentários de esporte na TV da churrasqueira.

Arrogante

Além de saber de tudo, apresenta sempre a melhor carne, do melhor açougueiro e diz sempre que assa o melhor churrasco do planeta. Se não for o centro das atenções, ou quem determina os assuntos fica “brabinho” e emburrado. Não aceita palpites e não se interessa por outras variações do assado.

Sua frase típica é: “Vocês não sabem de nada!” Ou “Hoje vou te ensinar a assar aquele churrasco”.

Pra beber: Uísque com bastante gelo ou cerveja especial que trouxe da fronteira… não oferece para ninguém por certo.
Pra ouvir:
Escuta ópera ou sambas enredos de carnavais passados, só para implicar.

Mui amigo

Já o mui amigo é aquele que se faz de leitão vesgo para mamar em duas tetas. Liga para alguém trazer o carvão, para outro um reforço na carne e alguma cervejinha. Entra só com um pedaço de carne meio congelada que sobrou d’outro assado.

Se bobear entrega o churras para o primeiro que se aproximar do braseiro.

Pra beber: Toma a bebida que trouxeram, deixa a cerveja dele (aquela que ninguém quer e que ninguém toma) pros “amigos”.
Pra ouvir:
Gosta de ouvir trilha sonora de filme antigo, tipo E o vento levou, ou… tomou.

Enfeitado

Quem não conhece o enfeitado? Assa churrasco de abrigo de grife, tênis brilhoso e novinho, gel no cabelo e se encharca de uma loção pós barba que espanta até as moscas. Carnes todas maturadas de supermercado de shopping. Previamente temperadas. Alguém já arrumou o local, deixou tudo limpinho e arrumadinho, em tigelas, potes com design moderno e nada ver.

O adornado não toca na carne, coloca na grelha com uma pinça, bem arrumadinha, sobre um fogo que já estava pronto. Tudo muito higiênico e sem emoção.

Pra beber: Toma aquelas bebidas tipo ice, meio açucaradas, e no três em um (lembram?),
Pra ouvir:
Música de elevador sem sabor.

Diminutivo

Faz um foguinho, espeta umas asinhas e uma linguicinhas, coloca para assar coxinhas, coraçãozinhos, bifinhos de maminha não podem faltar.

Apresenta uma saladinha com tomatinho cereja, alfacinha crespinha e milhinho de conserva.

Pra beber: Toma cervejinha no biquinho enfim faz um belo churrasquinho.
Pra ouvir:
Ouve Zeca Pagodinho!

Exagerado

Em contra partida temos o assador exagerado, bagual por demais, o rei da balaca. Cortes volumosos e inteiros de bichos carneados na estância de um parceiro, paletas, quartos, costelas e janelas tudo com muito fogo e que leva 8 horas assando, os convivas morrem de fome porque a carne nunca fica pronta.

O xirú é um tanto narciso, fica admirando demais o seu assado, na verdade nem quer comer, quer passar o dia assando e se exibindo. O prazer maior é o de assar miúdos: mollejas (timo), riñones (rins), chinchulines (tripas), coração de ovelha e, todo mundo tem de provar, gostem/queiram ou não.

Pra beber:Bebe cerveja, uísque, acha caipira coisa de fresco e se tiver um vinho de garrafão manda ver sem dó.
Pra ouvir:
Música nativista: Teixeirinha, os Serranos e as poesias do Jaime Caetano Braum.

Argentino

Um assador característico aqui da região é o Argentino, churrasco super rústico feito em grelha de fogão em cima de tijolos, fogo com gravetos, pinhas e jornal velho, a carne é cortada em cima da perna, pois mesa não tem, come com as mãos, naqueando com a faca, meio crua.

Pra beber:bebe vinho argentino em caneca com a alça quebrada… ninguém merece.
Pra ouvir:
O hermano tá sempre meio emburrado cantarolando um tango de Gardel

Coadjuvante e sua tática

Mas nem só de assadores sobrevivem os churrascos, os coadjuvantes também podem ter vez e voz, eu mais o parceiro e assador sênior, Lu Piltcher, que me ajudou neste texto, desenvolvemos uma tática para deixar o churrasqueiro atento, caprichoso e, sem se achar o rei da cocada preta.

Se achegue ao assador, assim com não quer nada, com as mãos nas costas e com um papinho humilde: “Bah que beleza esta costela. Será que não vai faltar carne pra todo este povo?” E se retira antes da resposta. Ou ainda: “Que baita braseiro, cuida para não queimar a carne… olha se for faltar carvão me avisa que vou buscar ali no posto”.

Ainda: “Essa lingüiça é aquela de Itaqui? Ouvi dizer que tem uma epidemia de leptospirose ali na região”.

A idéia é deixar o assador meio “nerbioso”, e principalmente fazendo que ele capriche mais que o normal. Se começar a dar muita explicação, tá fisgado.

Buenas índio véio, por essas churrasqueiras afora, devem existir outros tipos característicos, vou apertar um mate, para esperar que os leitores me enviem descrições de outros queimadores de carne.

Pode ser o do churrasco de cunhado (que se fosse coisa boa não iniciava com cu), churrasco do patrão, o do mandado pela patroa também dá um bom causo, o do teórico, sei lá mais quantos!

Cortesia do Minduim

A descrição mais detalhada, criativa e realista, leva um exemplar do livro ilustrado Adágios Gaúchos de minha autoria.

A seleção dos comentários será feita em um churrasco de fundamento aqui na baia com assadores de todas as loucuras e instâncias.


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