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08/12/2010

O velho e o conselho

O Sr. Leopoldo costumava a achar seu nome bem pomposo, com o ‘p’ forte bem no meio. Hoje é só um nome. Até apelido – fato antes do mais inaceitável – ganhou de sua nova namorada: Peixinho. Veio de Leopoldinho, que virou Leopouquinho – porque os encontros iniciais eram bem rápidos – , que virou Leopeixinho e tá aí, acabou como Peixinho. O Sr. Leopoldo vive o ápice dos seus setenta e dois anos.

Veio de São João da Boa Vista, ou do “Bom Zóio”, como ele já tanto repetiu, ainda bem moço, e era sua tarefa ajudar o pai a cuidar da mãe e das duas irmãs mais velhas. Uma, a mais moça, voltou fugida pro Bom Zóio pra casar, e não se sabe mais nada dessa. A outra faleceu há três anos, de enfisema. Fumava quatro maços e meio por dia.

Acabou cuidando foi do pai, que pegara uma tuberculose. Foram dois anos dessa lida de tratar das dores e dos catarros do pai, já que a mãe foi atrás da irmã mais velha, a mais moça das duas (a mãe voltou sem a irmã e ele nunca fez uma pergunta sequer sobre o acontecido).

O Sr. Leopoldo conseguiu trabalho numa fábrica de têxtil e passou trinta e poucos anos da vida por lá, se aposentando com honras, mas glória mesmo não viu alguma. Virou daqueles velhos sem propósito, com hora de sobra pra gastar, mas sem ter no que gastar. Acordava cedo, bem cedo, pra aproveitar nada.

Dava comida pro azulão na gaiola e só. Desistiu de dar voltas no parque com “aqueles gagás metidos a atleta”, como ele mesmo ressaltava, parou de ir aos competitivos lances de dominó na praça e nunca nem cogitou a gafieira. “Deus-que-me-livre”, desconjurava.

Ah, mas na patuscada da vida, justo a Justina passou no caminho do velho Leopoldo. Literalmente.

Lá ia ele de quando em vez visitar um amigo do peito que morava na Lapa. E tinha que ser amigo bem querido mesmo pra fazer o Sr. Leopoldo sair da Mooca e pegar o metrô até a Barra Funda. Ia reclamando o caminho todo da linha vermelha do metrô. Buzinava no ouvido alheio sobre o vento fraco, balbuciou algo por conta da porta que demorava a fechar (isso cinco minutos depois de praguejar a mesma porta que fechou rápido demais quando ele estava entrando).

E foi nesses instantes de cólera senil que a dona Justina apareceu, bela e velha. Tropeçou no pé do velho que manteve as pompas mesmo com a vontade de usar todos os palavrões que sua cabeça permitia lembrar.

Dona Justina sentou-se, pediu imensas desculpas e pôs-se a papear. Ganhou o Sr. Leopoldo justamente na paciência, concordando com tudo, sorrindo levemente e sem nunca tirar o olhar dos gestos esbaforidos do velho a reclamar. Dona Justina é esperta mais que você e eu. A tal da experiência de vida deve lá servir pra alguma coisa, vá.

Amigo? Que amigo? O velho Leopoldo acabou perdendo a tarde toda conversando com a dona Justina, mostrado como funcionava sua brilhante cabeça enferrujada. Explicara sobre como uma pessoa de bem deve proceder em casa e no trabalho, discorreu sobre as diversas esferas da política. Sentaram-se no terminal mesmo, de frente com os cofres de guardar bagagem.

Escureceu e ela, após agradecer a conversa, se despediu. Não sem antes dizer para o velho Leopoldo que ele devia se soltar mais “que a vida já na nossa idade é sim um grande passeio”. Chutou os valores do velho Leopoldo, cumprimentou-o serenamente e foi-se. Ele não dormiu por três noites e, na semana seguinte, pintou os cabelos que estavam brancos e foi ao baile.


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