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13/12/2010

Google X China: era uma vez uma empresa que brigou com um país…

Era uma vez um país avançado, muito avançado, repleto de pessoas de olhos puxados e alta capacidade de concentração. Muitos séculos atrás era a nação mais desenvolvida do planeta e seus feitos ofuscavam todos os outros povos. No entanto, um erro social fatal fez com que minguasse rapidamente se tornando uma pálida sombra do gigante.

Estamos falando deste erro político chamado China e como uma empresa com personalidade forte ousou peitá-lo sem se preocupar com os prejuízos financeiros.

Rapidamente…

Semana passada o Google anunciou que deixaria de censurar seus resultados de busca na China ao passá-los por um servidor localizado em Hong Kong, violando diretamente as regras impostas pelo governo. Com isso, decreta sua própria expulsão da China, o mercado grande que mais cresce no mundo.

Ao contrário de outros casos de retiradas estratégicas de empresas, aqui quem manda não é o mercado, mas as convicções pessoais dos fundadores da empresa e dos governantes chineses.


Censurado… Até quando? | Fonte

Mas vamos por partes.

China: a terra da grande muralha

Quando Roma atingiu seu auge, ali perto do século I depois de Cristo, o povo liderado pelos Filhos dos Céus já era mais populoso, produtivo, bem educado e organizado do que qualquer outra nação. Várias de suas cidades eram maiores do que Roma ou Alexandria e o mundo inevitavelmente prostaria-se frente ao dragão.

Tanto é que durante séculos o nome utilizado para denominar os habitantes da fronteira norte e oeste da China sempre foi “bárbaros” (ou algo parecido na língua deles). Logo quem não era chinês era selvagem.

Neste ambiente, as ideias de um tal Confúcio eram praticamente lei. Entre outras coisas, o sujeito pregava a “doutrina social”, ou seja, o estado é maior que as pessoas e todos deveriam seguir o que o imperador mandasse. O Imperador, por sua vez, era limitado às normas morais confucionistas e ninguém tinha liberdade alguma.

Se por um lado, esta forte hierarquização aumentou a organização e a eficiência no estado, também tolheu a inovação e o espírito aventureiro. Tanto é que no século XV os chineses decidiram desmontar a maior frota naval do mundo “porque não havia nada interessante fora da China”. E custava caro, obviamente.

Os jaguaras nunca pensaram em, por exemplo fazer “comércio” com nações distante. Só queriam explorar e divulgar a glória do Filho dos Céus. Lindo, né?

Cerca de 100 anos depois tiveram de aturar uma frota de portugueses em navios menores do que os seus, apontando canhões para suas cidades e reivindicando postos comerciais. Owned!

A Grande Muralha da China é outro case de falha épica. Ao invés de investir em defesa, preferiram fazer uma obra gigantesca absolutamente fácil de perfurar. Qualquer ladrão sabe que não é preciso quebrar um muro de pedra de 4 m de altura para atravessá-lo, basta procurar uma brecha. Ou criar uma.


Que tal fazer uma pesquisa por aqui? | Fonte

Google: a empresa-inovação

Eis que há pouco mais de 10 anos surge uma empresa criada sobre uma tese de doutorado meio maluca. A ideia era “colocar todas as páginas da internet em um só computador”. Só depois surgiu o tal do PageRank, o algoritmo mega nerd de ranqueamento de buscas que permite a alguns blogs aparecerem antes de jornais e portais em vários resultados.

Como a empresa nasceu numa universidade, o seu DNA está impregnado por inovação. A já famosa prática da empresa de reservar 20% do tempo dos funcionários a fazerem o que bem entenderem gerou alguns serviços fodásticos como o Orkut, Gmail e Wave. Assim como uma universidade, isso gerou também muito lixo. Mas, uma das vantagens de ganhar bilhões de dólares com um sistema automatizado de publicidade (ou AdWords, para quem não conhece), é poder focar-se em nada.

O Google é uma empresa sem direção, funcionando para aumentar o uso da internet. Por sinal, veja este post que explica a matemática da receita do sucesso da companhia de Mountain View.

Google X China: briga feia

Em dezembro do ano passado, várias empresas de TI sofreram um ataque sofisticado e coordenado para descobrir dados de opositores do regime. O Google acredita que este ataque teria vindo de pessoas ligadas ao governo chinês e começou a se perguntar que diabos estava fazendo ali. Leia o post oficial.

Ganhando dinheiro, responderia qualquer um. Apesar da demora para entrar no país e nas dificuldades culturais óbvias, a versão chinesa do buscador tinha 30% do mercado e uma boa parcela da receita publicitária. O problema é que não estamos falando da General Motors ou da Vale. Trata-se de uma empresa nascida e gerenciada como um campus universitário, o Googleplex.

O caos reina por ali, inclusive estrategicamente. No Google a única linha comum a todos os empreendimentos é o firme propósito de investir na internet como meio de massa e em fazer a diferença na vida das pessoas (ou “Don’t be evil”).

Há, claro, investimentos esquisitos como em fontes de energia renováveis e em exploração do espaço. Cá entre nós, acho que é uma atividade muito mais interessante para pessoas com uns bilhõezinhos sobrando do que motonáutica ou hipismo.


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Perdas pro governo, perdas pro povo…

O perfil anárquico e onipresente do Google, sem falar no “campus” que serve de sede para a empresa, atraiu muita gente boa. Muita mesmo. Até há poucos anos havia poucos outros empregos tão cobiçados quanto uma posição lá.

Do outro lado do ringue, vale lembrar, está a China, um país com milênios de história hierarquizada e uma cultura que reverencia explicitamente os ancestrais, que habitam os “Céus”. Por esse motivo o imperador era chamado de “Filho dos Céus”.
Só com um “mandato celestial” seria possível governar um país tão rico. Esta filosofia social, por sinal, historicamente serviu perfeitamente bem para os chineses. Nunca questionem, sigam. Não liderem, sigam. Não falem, escutem.

Em alguns casos, generais trocaram de lado durante batalhas porque passaram a acreditar que o oponentes tinha mais direito ao mandato celestial. Simples assim.

Esta filosofia claramente não morreu com o império e continua nos dias de hoje, embora atenuada grandemente graças à última sucessão presidencial.

Para quem não percebeu a novidade, em 2003 foi a primeira vez na história em que o poder trocou de mãos na China pacificamente, sem morte do antecessor ou desgraças mil. Jiang Zemin, o cara que recebeu Hong Kong de volta, passou o cargo para Hu Jintao.

Assim, na verdade, a briga se resume a um país com um mercado descomunal e uma filosofia historicamente hierarquizada e uma empresa extremamente inovadora, composta por alguns dos cérebros mais brilhantes da nossa época.

Como será a batalha


O novo cumprimento do Google para o Governo Chinês. | Fonte

Na verdade, a briga já está decidida. Google sai da China para manter-se puro aos seus ideiais, apesar do prejuízo, e pouca gente no país do dragão vai perceber. Aliás, é uma decisão seguida por poucos. Além do Google, apenas uma empresa disse também estar abandonando o barco. Trata-se do GoDaddy. Fora isso, há um oceano de empresas queridinhas que sequer se mexeram após os ataques de dezembro.

No entanto, há uma segunda briga gerada por este precedente. Executivos de empresas inovadoras, fodásticas mesmo, podem estar se peguntando o seguinte: Se uma das empresas mais admiradas do mundo abandona a China por considerar inviável fazer negócios lá, talvez seja moralmente aceito eu também não investir por lá.

É possível que o movimento aumente a tendência histórica de isolamento chinês. Tradicionalmente, o país funciona em ciclos de abertura, crise e fechamento. Antes da guerra civil, por exemplo, potências estrangeiras tinham entrepostos comerciais em várias cidades chinesas. O país era abertíssimo, mais do que hoje.

E então veio Mao-Tsé-Tung e fechou as fronteiras. Cerca de 30 anos depois aparece um ex-amigo de Mao, que toma o poder. Chamava-se Deng Xiaoping, e ele começou a abrir novamente o país para investimentos estrangeiros.

Seus sucessores continuam o trabalho, mas como todo desenvolvimento tem limite (porque toda economia baseia-se em escassez) isto tem data para acabar e um final praticamente decidido.

Eventualmente virá uma nova crise e os chineses mais uma vez colocarão a culpa nos estrangeiros. Aí eles simplesmente queimarão sua frota e dirão adeus ao mundo.

Quando isso vai acontecer? Não procure no Google.

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