É difícil encontrar na Amazônia quem defenda um modelo predatório de ocupação e desenvolvimento. De caboclos a fazendeiros, passando por multinacionais e políticos, o apoio à preservação e à idéia de desenvolvimento sustentável permeia quase todos os discursos.
Mas a região vive um grande descompasso entre discurso e ação. O desmatamento voltou a crescer nos últimos 12 meses, há conflitos fundiários sérios, muita violência e problemas ecológicos, sociais e econômicos com o crescimento dos agronegócios ou da exploração predatória da selva.

"A Amazônia precisa de um novo modelo de desenvolvimento", acredita Paulo Adario, diretor da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil. "Acho que ainda existe uma discussão falsa, em que se contrapõem desenvolvimento e preservação. A visão de que a floresta é uma barreira ao desenvolvimento é antiga, dos anos 70, e é falsa."

No entanto, a busca por um novo modelo de desenvolvimento ainda é embrionário e a maior parte do crescimento econômico da região amazônica (que é maior do que média nacional) continua baseado na expansão de atividades tradicionais, como a exploração de madeira, a mineração, a criação extensiva de gado e a agricultura.

"A grande questão é como fazer a floresta valer mais em pé do que cortada", resume Virgílio Viana, coordenador do Fundo Amazônia Sustentável (FAS), uma ONG criada para gerenciar o Bolsa Floresta, um programa de transferência de renda a famílias e comunidades que protegem a mata em áreas de preservação.

Idéias

Segundo especialistas, existe um ciclo bem estabelecido de exploração econômica na Amazônia. O primeiro passo em geral é a exploração da madeira.

A segunda fase depende da capacidade do produtor. No caso de agricultores de menor porte, essa fase é a de exploração do solo para o plantio. Quando esse solo se esgota, em geral por causa da falta do uso de tecnologia agrícola, entra o gado.

Há locais em que o gado pode ser substituído pela agricultura industrializada, como tem acontecido em áreas de soja no Pará, onde fazendeiros de maior porte e com mais capital limpam as pastagens para transformá-las em plantações mecanizadas.

Para romper esse ciclo vicioso, há muitas propostas na região, a maioria ainda no nascedouro. Um exemplo é o Bolsa Floresta. O programa criado pelo governo do Amazonas prevê o pagamento de R$ 50 como compensação para famílias que vivem em áreas de reservas estaduais e não desmatem. O plano também prevê ajuda às comunidades na criação de alternativas de renda e infra-estrutura social.

O plano, porém, é recente e esbarra na falta de documentação da população local. "Um dos problemas é que a pessoa precisa ter CPF para se inscrever, e o plano está andando devagar já que muita gente não tem", diz o governador do Estado, Eduardo Braga.

Na opinião de Everaldo de Souza Martins Filho, secretário de Planejamento de Santarém, no Pará, é preciso encontrar um equilíbrio entre fortalecer a agricultura familiar e explorar de forma sustentável as áreas que já estão alteradas.

"Apenas no município de Santarém temos um enorme área que já foi mexida, mas que não é explorada. Podemos aumentar muito a nossa produção agrícola sem cortar mais nada", ele diz.

Representantes do Sindicato dos Produtores Rurais da cidade defendem a mesma coisa. Eles afirmam que o município de 2,5 milhões de hectares tem cerca de 600 mil já sem floresta (alguns estimam que esse número seja menor, cerca de 400 mil hectares).

"Dessa área, só usamos para plantação e gado 200 mil hectares", afirma João Clóvis Duarte, vice-presidente do Sindicato. O restante está abandonado.

Segundo Adario, do Greenpeace, o problema é que usar e recuperar áreas abertas que já foram exauridas pela agricultura intensiva pode ser até 6,5 vezes mais caro do que abrir novas áreas.

Barreiras

A lista de receitas e idéias sobre o que pode ser feito na região é longa. ONGs e governos locais defendem desde a exploração sustentável da madeira até o desenvolvimento de produtos de alto valor agregado a partir de plantas e árvores amazônicas. No entanto, além do aumento das áreas de preservação e do desenvolvimento de alguns projetos pontuais, vê-se pouca mudança.

A incipiência das alternativas econômicas tem várias explicações. Na visão do ministro de Assuntos Estratégicos da Presidência, Roberto Mangabeira Unger, existem três problemas básicos que impedem a criação de uma nova dinâmica econômica na região.

"A primeira é a questão da propriedade da terra, já que falta a definição de quem são os proprietários. A segunda é a falta de um zoneamento ecológico e econômico da Amazônia. E a terceira é ausência de um regime regulatório e fiscal que garanta que a floresta em pé valha mais do que a floresta cortada", diz Unger.
Como coordenador do Plano Amazônia Sustentável (PAS), um projeto para desenvolver a região de forma equilibrada, ele diz que está buscando soluções no curto prazo para resolver esses problemas e poder implementar projetos que ajudem a região a se desenvolver.

O desafio poderá ser maior do que o ministro está antecipando. Em Santarém há agricultores com terras de mil hectares que estão esperando há 15 anos pela regularização de suas propriedades. Na Amazônia, os projetos e as políticas de mudança têm sempre sido muito mais lentos do que as motosserras.